A Doença de Alzheimer (DA) é a forma mais comum de demência neurodegenerativa, afetando milhões de pessoas no mundo. Caracteriza-se por perda progressiva da memória, alterações de comportamento e declínio cognitivo generalizado. Embora fatores ambientais, estilo de vida e idade desempenhem um papel importante no risco de desenvolver Alzheimer, a genética é um fator-chave,  especialmente nos casos de início precoce. Avanços na genética têm permitido a identificação de variantes associadas à DA, tanto nas formas familiares raras quanto nas mais comuns de início tardio. Neste artigo, vamos explorar como quatro genes estão envolvidos na fisiopatologia da doença.

 

PSEN1: o gene do Alzheimer familiar precoce

O gene PSEN1 (Presenilina 1) está localizado no cromossomo 14 e é um dos principais genes associados à forma familiar precoce do Alzheimer, geralmente manifestando-se antes dos 60 anos. Ele codifica uma proteína que compõe o complexo γ-secretase, responsável pela clivagem da proteína precursora amiloide (APP). Mutações em PSEN1 aumentam a produção da forma mais neurotóxica do peptídeo beta-amiloide (Aβ42), que se acumula no cérebro e forma placas amiloides, uma das marcas patológicas do Alzheimer. Mais de 300 variantes patogênicas em PSEN1 já foram identificadas, sendo altamente penetrantes, ou seja, quase sempre resultam em manifestação da doença nos portadores.

 

PLD3: um gene emergente na susceptibilidade ao Alzheimer

PLD3 (Phospholipase D Family Member 3) é um gene menos conhecido, mas que tem atraído atenção nos últimos anos como potencial modulador do risco de Alzheimer. Ele participa de processos de tráfego endossomal e resposta imune celular. Estudos indicam que variantes raras em PLD3, como a p.V232M, estão associadas a um risco aumentado de Alzheimer de início tardio, embora seu papel exato ainda esteja em investigação. Evidências sugerem que a disfunção de PLD3 pode interferir na degradação da proteína beta-amiloide e afetar a integridade da função lisossomal em neurônios. A expressão reduzida de PLD3 também foi observada em cérebros de pacientes com Alzheimer, o que levanta hipóteses sobre sua função protetora natural.

 

APOC1: modulação do risco inflamatório e metabólico

APOC1 (Apolipoproteína C-I) é um gene localizado muito próximo a APOE, no cromossomo 19, e frequentemente aparece em desequilíbrio de ligação (LD) com alelos de APOE. A proteína APOC1 tem funções na regulação do metabolismo lipídico e processos inflamatórios cerebrais. A variante mais estudada é o polimorfismo rs11568822 (inserção/deleção), que pode impactar a expressão de APOC1 e está associada ao risco aumentado de DA, especialmente quando ocorre junto ao alelo ε4 do gene APOE. Há hipóteses de que APOC1 contribua para a neurodegeneração ao modular a resposta imune, facilitando a deposição de beta-amiloide ou influenciando mecanismos de transporte de lipídios no cérebro.

 

APOE: o gene de maior impacto populacional

APOE (Apolipoproteína E) é, sem dúvida, o gene mais estudado e com maior impacto no risco de Alzheimer esporádico. Ele existe em três alelos principais: ε2, ε3 e ε4. O alelo ε4 está associado a um risco significativamente maior de Alzheimer de início tardio, especialmente em indivíduos homozigotos (ε4/ε4), enquanto o alelo ε2 parece exercer um efeito protetor. A proteína APOE participa do transporte de colesterol e manutenção da integridade sináptica. No cérebro, o alelo ε4 está relacionado a uma menor eficiência na remoção do beta-amiloide e a maior susceptibilidade à neuroinflamação. Estima-se que o risco de DA aumente até 12 vezes em indivíduos com genótipo ε4/ε4 em comparação aos portadores de ε3/ε3. Apesar disso, é importante lembrar que muitos portadores de APOE ε4 nunca desenvolvem a doença, o que reforça o papel dos fatores ambientais e epigenéticos.

 

Conclusão

A Doença de Alzheimer é uma condição multifatorial, e a genética oferece uma lente poderosa para compreender seus mecanismos subjacentes e antecipar riscos. Genes como PSEN1 estão ligados à forma precoce e familiar, enquanto APOE, PLD3 e APOC1 ajudam a elucidar os riscos da forma mais comum de início tardio. Conhecer essas variantes pode ter implicações importantes para triagem, aconselhamento genético e desenvolvimento de terapias personalizadas no futuro. Ainda que não exista cura, o avanço na identificação de genes relacionados ao Alzheimer abre caminhos promissores para estratégias de prevenção, intervenções precoces e medicina de precisão.